Universidade dos Açores – Departamento de Economia e Gestão
Mestrado em Ciências Económicas Empresariais
Finanças Públicas
Manual do Sector Público Em Portugal
O sector público em Portugal: âmbito, estrutura e contas
1- Introdução
Pode-se entender por sector público todas as entidades controladas pelo poder político. Neste caso tem-se uma definição abrangente que inclui não só a totalidade das administrações públicas, como a totalidade do sector empresarial de capitais total ou maioritariamente públicos. Assim, para além dos subsectores das administrações públicas (central, regional, local e segurança social) inclui-se, entre outras, o sector público empresarial, que integra as empresas públicas, as empresas municipais, as sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
No essencial aquilo que distingue as entidades do sector público administrativo das do sector empresarial é a lógica de funcionamento. Enquanto as segundas têm essencialmente uma lógica de mercado, as primeiras já não.
Uma instituição incluída nas administrações públicas tem que ser uma instituição não mercantil, ou seja, aquela cuja principal fonte de financiamento não é a receita associada a um preço, tarifa ou taxa como contrapartida directa pelos bens ou serviços que fornece. Uma possibilidade é não existirem preços, sendo a instituição totalmente financiada por prestações obrigatórias: impostos, contribuições sociais (caso do Estado e outras entidades públicas). Outra realidade é existirem preços, mas eles não serem economicamente significativos, no sentido que se referiu acima. É o caso das taxas moderadoras nas urgências hospitalares que obviamente não são a principal fonte de financiamento destes serviços.
É neste contexto que se pode definir o sector das administrações públicas como incluindo, quer as unidades institucionais que são produtoras não mercantis de bens de consumo individual ou colectivo, quer as que operam redistribuição do rendimento e riqueza, sendo financiadas principalmente por pagamentos obrigatório
Alguns elementos chave caracterizadores destas instituições:
− Produtores não-mercantis;
− Consumo individual ou colectivo;
− Pagamentos obrigatórios;
− Instituições redistributivas.
Quadro 1 – Nomenclatura dos sectores institucionais - Administrações públicas
Administrações públicas |
Administração central |
Estado |
Serviços e fundos autónomos da administração central |
Instituições sem fim lucrativo da administração central |
Administração estadual |
Administração regional e local |
Administração regional |
Órgãos dos Governos Regionais |
Serviços e fundos autónomos da administração regional |
Instituições sem fim lucrativo da administração regional |
Administração local |
Distritos |
Municípios |
Freguesias |
Serviços autónomos da administração local |
Instituições sem fim lucrativo da administração local |
Fundos de segurança social |
Fonte: Instituto Nacional de Estatística
2- Estrutura do sector público, descentralização política e administrativa
A estrutura genérica das administrações públicas é a seguinte:
− Administração Central
− Administração Regional
− Administração Local
É possível compreender toda a estrutura do SPA a partir do conceito de descentralização, iniciando a análise a partir do subsector Estado. Entende-se por descentralização a transferência de poderes ou competências do Estado para pessoas colectivas de direito público diferentes, ou seja, entre distintas entidades públicas cada uma com a sua personalidade jurídica. Assim uma análise do Quadro 2, numa perspectiva político-económica, indica que pode tratar-se de descentralização política, quando na presença de descentralização para entidades legitimadas democraticamente com competências num território infra-nacional e autónomas do ponto de vista administrativo, financeiro e político (movimento vertical) ou descentralização administrativa quando se trata de descentralização para entes públicos dotados apenas de autonomia administrativa e financeira (movimento horizontal).
|
Tipo de Administração | Serviços Integrados | Serviços Autónomos | |
| | | |
Administração Central | |||
| Estado | Serviços e Fundos Autónomos da AC | |
| | | |
Administração Regional e Local | | ||
| | Administração Regional | |
| Órgãos dos Governos Regionais | Serviços e Fundos Autónomos. da Admin. Regional | |
| Administração Local | ||
| Distritos, Municípios, Freguesias | Serviços Autónomos da Admin. Local | |
Segurança Social | | |
Estes três níveis de governo são legitimados politicamente através de eleições democráticas para os órgãos representativos, pelo que gozam de elevado grau de autonomia e independência (política, financeira, patrimonial e administrativa). Têm orçamentos próprios, propostos pelos respectivos executivos e aprovados nas respectivas assembleias representativas (Assembleia da República, Assembleias Regionais e Municipais) e elaboram as contas de cada exercício.
Os seus recursos provêm sobretudo de receitas fiscais que obtêm quer de forma directa quer de forma indirecta (através de subvenções de outros níveis de governo). A administração central recebe fundos comunitários bem como grande parte das receitas fiscais, enquanto que a administração regional e local recebe subvenções comunitárias e do Orçamento do Estado, a par de receitas próprias.
3 - As contas e os saldos das administrações públicas
Quando se fala em défice público ou excedente orçamental está-se a referir o saldo global das administrações públicas, no que respeita às receitas e despesas efectivas, isto é, não financeiras. Deste modo ao referir, “saldo global”, importa clarificar o seguinte:
1. Há que distinguir contabilização na óptica da contabilidade nacional ou na óptica da contabilidade pública.
2. Deve ter-se em consideração se são valores executados, valores estimados provisórios ou orçamentados.
3. Devem ser consideradas receitas e despesas de todos os subsectores das administrações públicas.
4. São consideradas apenas receitas e despesas efectivas (excluindo activos e passivos financeiros).
As receitas correntes e as receitas de capital constituem as receitas efectivas de cada subsector.
Do mesmo modo as despesas correntes e de capital são as despesas efectivas, que não incluemas despesas com activos e passivos financeiros
O saldo global ou efectivo das administrações públicas é pois a diferença entre as receitas e despesas efectivas, para o total dos subsectores. Caso seja positivo diz-se que há superavit, excedente ou capacidade de financiamento das administrações públicas. Caso seja negativo diz-se que há défice ou necessidade de financiamento.
Exemplo:
Quadro 3 – Estimativa das Administrações Públicas: 2009
(Óptica da Contabilidade Nacional)
(Milhões de Euros) | Adm. Central | Adm Reg. e Local | Segurança Social | Administ. Públicas |
1. Impostos sobre a Produção e Importação 2. Impostos correntes sobre Rendimento e Património 3. Contribuições para Fundos da Segurança Social Das quais: Contribuições Sociais Efectivas 4. Vendas 5. Outras Receitas Correntes Das quais: Transferências Administrações Públicas 6. Total das Receitas Correntes 7. Consumo Intermédio 8. Despesas com pessoal 9. Prestações Sociais Das quais: em espécie 10. Juros 11. Subsídios 12. Outras Despesas Correntes Das quais: Transferências Administrações Públicas 13. Total Despesa Corrente 14. Poupança Bruta 15. Receitas de Capital Das quais: Administrações Públicas 16. Total Receitas 17. Formação Bruta Capital Fixo 18. Outra Despesas Capital Das quais: Transferências Administrações Públicas 19. Total Despesa Capital 20. Total Despesa 21. Capacid. (+)/Nec. (-) Financ. Líquido Em percentagem do PIB | 22.779,1 15.556,7 1.690,7 206,7 2.782,0 3.389,0 958,7 46.197,4 4.777,0 14.939,1 9.164,9 7.140,9 5.747,2 1.268,8 14.053,1 11.830,5 49.950,0 -3.752,6 2.769,8 13,7 48.967,3 1.606,8 2.824,7 1.545,9 4.431,6 54.381,6 -5.414,3 -3,1% | 2.771,0 1.324,2 138,9 11,3 1.887,3 2.291,8 1.992,8 8.413,1 2.701,4 3.206,5 459,7 319,1 295,3 206,8 640,2 21,1 7.509,8 903,3 2.291,2 1.535,4 10.704,3 2.710,0 442,9 13,7 3.152,9 10.662,7 41,6 0,0% | 895,2 0,0 17.826,3 17.817,1 24,2 12.225,3 9.884,2 30.970,9 228,3 572,3 25.780,8 711,1 10,0 732,8 2.052,0 984,0 29.376,2 1.594,8 27,0 10,7 30.998,0 33,7 65,8 0,2 99,5 29.475,7 1.522,2 0,9% | 26.445,2 16.880,8 19.655,8 18.035,1 4.693,4 4.794,1 12.835,6 72.469,4 7.706,7 18.717,9 35.405,3 8.171,1 5.776,0 2.208,3 3.909,6 12.835,6 73.724,0 -1.254,5 3.528,2 1.559,8 75.997,7 4.350,5 1.773,7 1.559,8 6.124,2 79.848,2 -3.850,5 -2,2% |
Fonte: MFAP, Direcção Geral do Orçamento – Proposta de Lei - Relatório do Orçamento do Estado para
2009 p.343
O Quadro 3 não discrimina o Estado (sentido estrito) dos Fundos e Serviços Autónomos da Administração Central, pelo que para fazer uma análise mais fina dos fluxos inter- sectoriais e distinguir a análise consolidada da não consolidada convém analisar o Quadro 4, com dados em contabilidade pública, também retirado do Relatório do Orçamento do Estado para 2009.
Quadro 3 - Orçamento das Administrações Públicas: 2009
(Óptica da Contabilidade Pública)
Exemplo:
(Milhões de euros) | Estado | Fundos e Serv. Aut. | Administr. Loc. e Reg. | Segurança Social | Admin. Publicas |
1. RECEITAS CORRENTES Impostos directos Impostos indirectos Contribuições de Segurança Social Outras receitas correntes (das quais:transf. de outr. subsectores) 2 DESPESAS CORRENTES Consumo Público Subsídios Juros e Outros Encargos Transferências Correntes (das quais:transf. p/ outr. subsectores) 3. SALDO CORRENTE 4.RECEITAS DE CAPITAL (das quais:transf. de outr. subsectores) 5. DESPESAS DE CAPITAL Investimentos Transferências de Capital (das quais:transf. p/ outr. subsectores) Outras despesas de capital 6.SALDO GLOBAL (em percentagem do PIB) 7.SALDO PRIMARIO (em percentagem do PIB) 8.ACTIV. FIN. LIQ. DE REEMBOLSOS 9.SALDO GLOBAL INCLUINDO ACT. FIN. (em percentagem do PIB) 10.RECEITA s/ transf. intersectoriais ( em percentagem do PIB ) 11.DESPESA s/ transf. intersectoriais ( em percentagem do PIB ) 12.SALDO s/ transf. intersectoriais ( em percentagem do PIB ) | 40.608,5 15.273,6 21.850,4 202,7 3.281,8 777,8 44.496,1 12.864,5 692,4 5.700,8 25.238,4 22.633,8 -3.887,7 819,3 70,1 3.245,2 780,9 2.218,6 2.003,0 245,7 -6.313,5 -3,6 -612,7 -0,4 20.926,8 -27.240,3 -15,7 40.579,9 23,4 23.104,4 13,3 17.475,4 10,1 | 23.341,1 23,0 440,6 3.826,6 19.050,9 14.727,6 22.660,8 11.765,5 1.249,4 19,7 9.626,1 868,1 680,3 2.801,2 631,7 2.457,1 676,8 1.560,3 265,2 219,9 1.024,5 0,6 1.044,2 0,6 881,1 143,4 0,1 10.783,0 6,2 23.984,6 13,8 -13.201,6 -7,6 | 7.889,2 3.329,3 988,3 11,3 3.560,4 1.992,8 7.030,9 5.887,5 199,9 294,5 649,0 21,1 858,3 2.395,2 1.563,9 3.261,8 2.732,2 463,4 8,0 66,3 -8,3 0,0 286,2 0,2 36,6 -44,9 0,0 6.727,8 3,9 10.263,6 5,9 -3.535,8 -2,0 | 23.640,3 0,0 713,1 13.865,9 9.061,3 7.008,9 22.039,1 508,7 1.168,0 10,0 20.352,5 984,0 1.601,2 67,0 10,7 113,5 47,6 65,8 0,2 0,0 1.554,8 0,9 1.564,7 0,9 1.796,0 -241,3 -0,1 16.687,8 9,6 21.168,4 12,2 -4.480,7 -2,6 | 70.972,0 18.625,9 23.992,3 17.906,4 10.447,4 (-) 71.719,9 31.026,2 3.309,7 6.025,0 31.359,0 (-) -747,9 3.806,5 (-) 6.801,1 4.237,5 2.031,7 (-) 531,9 -3.742,5 -2,2 2.282,4 1,3 23.640,6 -27.383,1 -15,8 74.778,4 43,1 78.521,0 45,3 -3.742,5 -2,2 |
Fonte: MFAP, Direcção Geral do Orçamento - Relatório do Orçamento do Estado 2009 p. 345
4 - Valores consolidados e não consolidados
A análise do “orçamento do SPA”, na óptica da contabilidade pública, permite observar não só o peso de cada um dos subsectores assim como as principais componentes das receitas e despesas públicas por subsector de acordo com uma classificação económica. Importante é distinguir entre a análise consolidada e não consolidada das receitas e despesas públicas.
Para se perceber a distinção entre valores consolidados e não consolidados, tome- se o caso das receitas correntes. O total das receitas correntes do SPA, são receitas correntes que provêm de sectores institucionais que não pertencem às administrações públicas, isto é, provêm do sector privado da economia, do sector empresarial do Estado, das empresas regionais ou municipais ou ainda da União Europeia. O total previsto para as receitas correntes do sector público administrativo é de 70972 milhões de euros em 2009. Contudo, somando em linha as receitas de cada subsector do SPA obtém-se o valor de 95479,1 milhões de euros. O primeiro valor é um valor consolidado das receitas correntes e o segundo um valor não consolidado. Na realidade a diferença entre os dois valores (24507,1 milhões de euros) é o valor da soma das receitas correntes dos vários subsectores cuja proveniência são as subvenções intergovernamentais dentro do SPA. Isto é, os valores não consolidados duplicam o valor de certas receitas.
Para saber qual o papel de cada subsector na obtenção de receitas correntes fora do SPA, a análise que tem sentido é considerar valores consolidados (isto é, líquidos de transferências) e reportá-los ao total de 70972 milhões de euros. Isto clarifica o papel de cada subsector em obter recursos fora do SPA. Para se obter os valores consolidados basta, subtrair às receitas correntes de cada subsector as transferências provindas de outros subsectores e depois somar em linha obtendo-se desta forma o valor total. Pelo Quadro 5 verifica-se que mais de metade das receitas correntes provêm do subsector Estado e que a administração regional e local obtém 9% das receitas.
Quadro 5 – Receitas e despesas (consolidadas) de cada subsector em proporção das administrações públicas (2009)
Exemplo:
| Estado | FSA | ARL | SS | Adm. Pub |
RECEITAS CORRENTES (das quais:transf. de outr. subsectores) Receitas Correntes (consolidadas) | 40.608,5 777,8 39830,7 | 23.341,1 14.727,6 8613,5 | 7.889,2 1.992,8 5896,4 | 23.640,3 7.008,9 16631,4 | (-) |
70972 | |||||
% do total das Adm. Pub. | 56,1% | 12,1% | 8,3% | 23,4% | 100% |
Despesas correntes (das quais:transf. p/ outr. subsectores) Despesas correntes (consolidadas) | 44.496,1 22.633,8 21862,3 | 22.660,8 868,1 21792,7 | 7.030,9 21,1 7009,8 | 22.039,1 984,0 21055,1 | (-) |
71.719,9 | |||||
% do total das Adm. Pub. | 30,5% | 30,4% | 9,8% | 29,4% | 100% |
Receita Capital (consolidada) Despesa Capital (consolidada) Receita Efectiva (consolidada) Despesa Efectiva (consolidada) | 19,7% 18,3% 54,3% 29,4% | 57,0% 32,2% 14,4% 30,5% | 21,8% 47,8% 9,0% 13,1% | 1,5% 1,7% 22,3% 27,0% | 100% 100% 100% 100% |
Fonte: Quadro 4
A mesma distinção entre valores consolidados e não consolidados se aplica às despesas públicas. Neste caso a justificação para se trabalhar com valores consolidados, numa análise horizontal do Quadro 4 é ainda mais forte. Na realidade, para associar as despesas com as competências exercidas por cada nível de administração, tem sentido trabalhar com despesas líquidas de transferências. As despesas correntes do Estado são de 44496,1 milhões de euros, contudo, deduzindo as transferências para outros subsectores da administração pública no montante de 22633,8 milhões de euros, obtém-se um valor para a despesa corrente consolidada do Estado de 21862,3 milhões de euros (ver Quadro 5). Este valor consolidado reporta-se às funções que estão directamente acometidas ao Estado no âmbito das suas competências directas e é o valor que pode ser comparável com o total (consolidado) em linha do SPA de 71719,9 milhões de euros. Assim verifica-se que a despesa (consolidada) do subsector Estado é pouco menos de um terço do total, logo seguida pela dos Fundos e Serviços Autónomos.
Aplicando a mesma metodologia às receitas e despesas de capital é possível também obter o peso de cada subsector no total das administrações públicas. O Quadro 5 apresenta ainda a importância relativa de cada subsector nas receitas e despesas efectivas (correntes mais capital) consolidadas. Aqui se verifica que as receitas públicas são sobretudo do Estado (54,3%) e da Segurança Social (22,3%), mas que no que refere à despesa os FSA são o subsector mais importante seguido do Estado e da Segurança Social. O grau de centralização da despesa pública em Portugal é precisamente o peso destes três subsectores na despesa efectiva total, ou seja 86,9%.
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